Nos últimos séculos, cristãos de diversas tradições travaram debates acalorados sobre doutrinas, liturgias e interpretações teológicas. Católicos e protestantes se enfrentaram em concílios e guerras. Dentro do próprio protestantismo, calvinistas e arminianos, presbiterianos e anglicanos, pentecostais e tradicionais se dividiram em incontáveis ramos. Mas, em pleno século XXI, enquanto o mundo se afunda no neopaganismo e na apostasia, será que essas disputas ainda fazem sentido?
Um Cisma de Fé ou de Poder?
A história da Reforma Protestante nos ensina que, embora a questão da fé tenha sido um fator determinante, a política teve um papel central na divisão da cristandade. A narrativa comum retrata Martinho Lutero como o monge que, ao descobrir a verdade bíblica, desafiou a Igreja Católica “corrompida”. Mas essa versão simplificada ignora um fator crucial: a Reforma foi tanto uma revolução espiritual quanto um jogo de poder.
Como aponta Brad S. Gregory em The Unintended Reformation (2012), reis e príncipes europeus rapidamente perceberam que romper com Roma lhes garantiria autonomia política. Lutero pode ter iniciado o movimento por razões legítimas, mas a fragmentação da cristandade foi impulsionada por interesses seculares. O caso de Henrique VIII na Inglaterra é um exemplo escancarado: sua separação da Igreja Católica não teve motivação doutrinária, mas sim o desejo de divorciar-se e consolidar sua autoridade sobre o clero.
Se a divisão teve causas tão pragmáticas, faz sentido que, séculos depois, cristãos continuem travando batalhas internas por heranças de disputas políticas?
O Paganismo Moderno: O Verdadeiro Inimigo
Enquanto nos dividimos, o mundo abandonou a cristandade e mergulhou na escuridão. Carl Trueman, em The Rise and Triumph of the Modern Self (2020), demonstra como a civilização ocidental trocou a fé cristã por um subjetivismo radical, onde cada indivíduo define sua própria verdade e moralidade. A cultura rejeitou os valores cristãos e adotou uma nova religião secular: o culto ao ego, ao hedonismo e ao materialismo.
Rod Dreher, em The Benedict Option (2017), aponta que o secularismo não significa ausência de fé, mas sim a substituição do cristianismo por novas formas de idolatria. Satanismo, ocultismo e rituais neopagãos já não são marginais – estão em filmes, séries, eventos culturais e até em cerimônias políticas. Como bem argumenta Alasdair MacIntyre em After Virtue (1981), não existe um vácuo religioso nas sociedades; quando Deus é rejeitado, outros ídolos ocupam seu lugar.
O Ocidente, que um dia foi cristão, não é apenas “secular” – tornou-se bárbaro.
E enquanto isso, os cristãos continuam se atacando.
Urgência de Uma Nova Estratégia
A cristandade medieval acabou. O que está em jogo hoje não são diferenças sobre predestinação ou modelos eclesiásticos – é a sobrevivência da fé cristã no mundo moderno.
Gustavo Corção, em As Fronteiras da Técnica (1967), já alertava para os perigos de uma sociedade fragmentada, sem um eixo moral comum. Hoje, vivemos essa realidade. Igrejas são queimadas na Europa, padres são perseguidos na América Latina e, em grandes metrópoles, símbolos cristãos são retirados do espaço público enquanto rituais anticristãos são celebrados sem resistência.
Diante disso, faz sentido que continuemos divididos? Devemos gastar nossas forças discutindo as polêmicas teológicas do século XVI enquanto o nome de Satanás é invocado em festivais e universidades?
O Chamado à Unidade – Sem Relativismo
Essa reflexão não é um apelo ao ecumenismo superficial, onde todas as diferenças doutrinárias são ignoradas. Há verdades inegociáveis na fé cristã. Mas, neste momento, a prioridade deve ser outra: defender Cristo e seu Reino contra o verdadeiro inimigo.
Ao longo da história, cristãos souberam se unir em momentos de crise. Durante as perseguições romanas, os cristãos não se preocupavam com detalhes litúrgicos enquanto eram jogados aos leões.
Hoje, a guerra não é travada com espadas, mas sim na cultura, na educação, na mídia e nas almas. E, se não houver uma trégua entre cristãos, o inimigo triunfará sem precisar lutar.
Cristo é Rei: O Momento de Escolher
Cristo é Rei. Seu Reino não será destruído. Mas a pergunta que se impõe a cada cristão é: você vai gastar suas energias atacando outros seguidores de Cristo ou vai lutar para que o Evangelho continue sendo proclamado?
Os primeiros cristãos entenderam essa verdade. Eles não eram definidos por sua denominação, mas por sua fidelidade a Cristo. Chegou a hora de resgatarmos essa mentalidade. O tempo das divisões acabou. O tempo de reconstruir a cristandade começou.